"Nor time nor place nor death can bow my least desires unto the least remove..."
Eu lembro de ter me apaixonado diversas vezes por capas de livros... como fosse amor a primeira vista à moda antiga, lembro de me deixar seduzir por imagens em negativo dos livros mais escusos. Me derreti por flores do mal, meio caidas, vermelhas e estranhas... fiquei sonhando acordada por tempos a fio, nessa minha estranha mania quase autista de me distrair do mundo a minha volta e me render ao mais fantasiosos dos pensamentos... Mas, por mais que me concentre na ideia de encontrar uma imagem, que durante tanto tempo tenha me encantado... não tiro da memória a menina de sapatos de boneca e as meias três quartos, a garrafa térmica ao lado e a história cambaleante entre o piegas e o clássico. Diz o velho clichê que uma imagem fala mais que mil palavras... as imagens dos livros, por outro lado... as capas dos livros trazem ao leitor a sensação que ele vai ter ao encontrar a história, os personagens...
Diria que a capa do livro é a apresentação do prato principal, ou talvez o cheiro, o que dá a vontade de comer, abre o apetite... a imagem te faz entrar na história, te abre os olhos pro enredo, leva tua imaginação a saciar a vontade de ver uma história que tu antes idealizaste.
Não intencionei escrever um post sobre o falo agora, mas quem manda no dedilhar das teclas não sou mais eu, talvez nunca tenha sido... é o que penso, nessa minha mania autista de me deixar levar pela distração, a imaginação fértil, as memórias que invadem o inconsciente.
Comecei a falar das imagens por que lembro de uma dessas andanças por livrarias virtuais, quando a dona dessa mente analógica num mundo digital, folheou um livrozinho de capa piegas [ainda que clássica], viu uma história ficcional que encantou de primeira, e como suporia um final triste a surreal, sacou o cartão de crédito da carteira, digitou os dados, pagou um frete muito caro e foi feliz por um semestre inteiro... o livro contava a mesma história melosa e linda que ela tantas vezes ouviu de um viajante por esses cantos, aquele que viu o
mundo inteiro e voltou pro mesmo lugar.
Ela queria mesmo aprender mais inglês, falar aos quatro cantos que era dona de uma pronúncia e gramática clássica, formal, uma pronúncia britânica e linda... o livro falava em Michigan... ela adorava Michigan, tinha um pedacinho dele guardado num envelope pardo... e para uma mente imunda e bela, a história repetida várias vezes por um certo viajante - somado a um pedacinho de Michigan e a mera menção de um lago somados a um final triste e lindo- podia significar um convite a felicidade clandestina.
No entanto, como podia-se imaginar, e como era muito comum, ela se rendeu a histórias mais reais, sussurradas, numa história e noutra, numa fantasia e noutra... deixou pra trás o livro, já de páginas amareladas e marcas no final das folhas... foi levar o dia, a vida... e deixou a menina de sapatos de boneca ali, espremida entre os caros caprichos diários e o pedacinho de Michigan, guardado com outro pedacinho do mundo. Foi viver a vida...
Mas, como resultado do encanto inicial, toda vez que a saudade de uma certa voz apertava, quando uma brincadeira acabou, e ela via a necessidade suprema de voltar a pronúncia perfeita, ela voltada ao viajante do tempo, voltada a fantasiar acordada, num devaneio de uma mania quase autista, por mais excêntrico que isso pudesse parecer.
E nessa volta, onde só se desejava matar a saudade, ela viu a frase que mudou o dia e o conceito do que pudesse ser desejo...
"Nor time nor place nor death can bow my least desires unto the least remove..."
"Nem o tempo, ou lugar, ou morte podem curvar meu desejo até que o remova..." numa tradução bem livre, de quem apenas deseja ter a formalidade e a deliciosa melosidade de um falar britânico... [porque pra ela, Michigan podia ter ares ingleses]. Mas só matar a saudade de um livro, o desejo de olhar uma capa e se apaixonar por ela novamente, significava se render de novo a uma paixão efêmera, histórias e memórias intransferíveis... significava se render a um contexto não palpável. Ela não espera que entendam...
Os perfumes marcavam a vida e as pessoas, ela costumava acreditar... "um perfume pra cada pessoa da minha vida", um cheiro pra cada um... sempre acompanhado de memórias [que fazem parte de quem ela é de fato]... mas os perfumes não se comparam aos livros, estes guardam pessoas de uma modo infinitamente único [ela demorou a reconhecer], e esse livro era de uma certa pessoa... que ela podia visitar sempre, sem que nada atrapalhasse, sem que a realidade batesse à porta...
...esse livro tinha memória e contexto, tinha dono... significava lembrar que nem o tempo podia ser capaz de curvar o desejo... afinal, era só desejo.
Ninna... palavras que são só devaneio. E muitos fragmentos ainda estão por vir.