domingo, 8 de agosto de 2010

A mulher do viajante do tempo

"Nor time nor place nor death can bow my least desires unto the least remove..."
Eu lembro de ter me apaixonado diversas vezes por capas de livros... como fosse amor a primeira vista à moda antiga, lembro de me deixar seduzir por imagens em negativo dos livros mais escusos. Me derreti por flores do mal, meio caidas, vermelhas e estranhas... fiquei sonhando acordada por tempos a fio, nessa minha estranha mania quase autista de me distrair do mundo a minha volta e me render ao mais fantasiosos dos pensamentos... Mas, por mais que me concentre na ideia de encontrar uma imagem, que durante tanto tempo tenha me encantado... não tiro da memória a menina de sapatos de boneca e as meias três quartos, a garrafa térmica ao lado e a história cambaleante entre o piegas e o clássico. Diz o velho clichê que uma imagem fala mais que mil palavras... as imagens dos livros, por outro lado... as capas dos livros trazem ao leitor a sensação que ele vai ter ao encontrar a história, os personagens... 
Diria que a capa do livro é a apresentação do prato principal, ou talvez o cheiro, o que dá a vontade de comer, abre o apetite... a imagem te faz entrar na história, te abre os olhos pro enredo, leva tua imaginação a saciar a vontade de ver uma história que tu antes idealizaste.
Não intencionei escrever um post sobre o falo agora, mas quem manda no dedilhar das teclas não sou mais eu, talvez nunca tenha sido... é o que penso, nessa minha mania autista de me deixar levar pela distração, a imaginação fértil, as memórias que invadem o inconsciente. 
Comecei a falar das imagens por que lembro de uma dessas andanças por livrarias virtuais, quando a dona dessa mente analógica num mundo digital, folheou um livrozinho de capa piegas [ainda que clássica], viu uma história ficcional que encantou de primeira, e como suporia um final triste a surreal, sacou o cartão de crédito da carteira, digitou os dados, pagou um frete muito caro e foi feliz por um semestre inteiro... o livro contava a mesma história melosa e linda que ela tantas vezes ouviu de um viajante por esses cantos, aquele que viu o 
mundo inteiro e voltou pro mesmo lugar. 
Ela queria mesmo aprender mais inglês, falar aos quatro cantos que era dona de uma pronúncia e gramática clássica, formal, uma pronúncia britânica e linda... o livro falava em Michigan... ela adorava Michigan, tinha um pedacinho dele guardado num envelope pardo... e para uma mente imunda e bela, a história repetida várias vezes por um certo viajante -  somado a um pedacinho de Michigan e a mera menção de um lago somados a um final triste e lindo-  podia significar um convite a felicidade clandestina.
No entanto, como podia-se imaginar, e como era muito comum, ela se rendeu a histórias mais reais, sussurradas, numa história e noutra, numa fantasia e noutra... deixou pra trás o livro, já de páginas amareladas e marcas no final das folhas... foi levar o dia, a vida... e deixou a menina de sapatos de boneca ali, espremida entre os caros caprichos diários e o pedacinho de Michigan, guardado com outro pedacinho do mundo. Foi viver a vida...
Mas, como resultado do encanto inicial, toda vez que a saudade de uma certa voz apertava, quando uma brincadeira acabou, e ela via a necessidade suprema de voltar a pronúncia perfeita, ela voltada ao viajante do tempo, voltada a fantasiar acordada, num devaneio de uma mania quase autista, por mais excêntrico que isso pudesse parecer.
E nessa volta, onde só se desejava matar a saudade, ela viu a frase que mudou o dia e o conceito do que pudesse ser desejo...

"Nor time nor place nor death can bow my least desires unto the least remove..."

"Nem o tempo, ou lugar, ou morte podem curvar meu desejo até que o remova..." numa tradução bem livre, de quem apenas deseja ter a formalidade e a deliciosa melosidade de um falar britânico... [porque pra ela, Michigan podia ter ares ingleses]. Mas só matar a saudade de um livro, o desejo de olhar uma capa e se apaixonar por ela novamente, significava se render de novo a uma paixão efêmera, histórias e memórias intransferíveis... significava se render a um contexto não palpável. Ela não espera que entendam...

Os perfumes marcavam a vida e as pessoas, ela costumava acreditar... "um perfume pra cada pessoa da minha vida", um cheiro pra cada um... sempre acompanhado de memórias [que fazem parte de quem ela é de fato]... mas os perfumes não se comparam aos livros, estes guardam pessoas de uma modo infinitamente único [ela demorou a reconhecer], e esse livro era de uma certa pessoa... que ela podia visitar sempre, sem que nada atrapalhasse, sem que a realidade batesse à porta...
...esse livro tinha memória e contexto, tinha dono... significava lembrar que nem o tempo podia ser capaz de curvar o desejo... afinal, era desejo.

Ninna... palavras que são só devaneio. E muitos fragmentos ainda estão por vir.

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